1. Características microbiológicas de Escherichia coli
Primeiro pesquisador a isolar e descrever a bactéria no ano de 1885, denominada, de início, Bacterim coli commune. Foi só no ano de 1958 que esse microrganismo recebeu, em homenagem ao pesquisador Escherich, a nomenclatura que se perpetua até os dias de hoje .
Presente na microbiota entérica de mamíferos e aves de forma comensal, a E. coli é uma bactéria Gram-negativa pertencente à família Enterobacteriaceae . Nesta família, além da E. coli, o gênero Escherichia recebe mais cinco subclassificações incluindo Escherichia blattae, Escherichia vulneris, Escherichia albertiei, Escherichia fergusonii e Escherichia hermanii. Todavia, a E. coli recebe o título de mais importante dentre as outras espécies do gênero .
Quanto às características microbiológicas, a E. coli é uma bactéria em forma de bacilo, não esporulada, do tipo anaeróbica facultativa, fermentativa, oxidase negativa e móveis quando possuem flagelos peretríqueos. A temperatura ótima para crescimento em cultivo microbiológico é de 37°C, mas pode ocorrer entre 18 e 44°C; possuem aproximadamente 1,1 a 1,5 µm por 2 a 6 µm de medida quando vistas na microscopia .
Para identificação laboratorial, as particularidades bioquímicas dessa bactéria são de suma importância. Dentre as principais, destacam-se a redução de nitrito em nitrato e produção da enzima catalase. Além disso, são capazes de produzir gás em virtude da fermentação de glicose e outros carboidratos como maltose, galactose e manose; são negativas para as provas de Voges Proskauer (VP) e hidrólise de ureia, porém positivas para os testes de indol e descarboxilação de lisina ).
O cultivo bacteriano para E. coli pode ser feito em meios de cultura simples, os quais abrangem diferentes tipos de ágar e caudos. Quando semeadas em ágar Nutriente, as bactérias apresentam colônias de coloração esbranquiçada e tamanho de 1 a 3 mm, podendo variar de lisas ou rugosas e brilhantes. O ágar MacConkey é um meio seletivo para bactérias Gram-negativas, onde as colônias de E. coli evidenciarão uma cor rosada em decorrência da fermentação da lactose do meio. Em ágar sangue, as colônias são cinzentas e evidenciam áreas de hemólise. Colônias de coloração metálica e brilhantes podem ser visualizadas quando as bactérias forem semeadas ágar-eosina-azul de metileno (EMB).
1.1. Classificação dos patótipos de E. coli
As E. coli diarreiogênicas (DEC) e as E. coli patogênicas extraintestinais (ExPEC) constituem os dois principais grupos de patótipos de E. coli, os quais são classificados com base no caráter virulento do agente e conjunto de sinais clínicos apresentados pelo hospedeiro. As linhagens de DEC são responsáveis pelos distúrbios entéricos, enquanto as cepas do patótipo de ExPEC, que fazem parte da microbiota natural do sistema gastroentérico de forma não patogênica, podem se disseminar sistemicamente .
Além da divisão em dois principais grandes grupos, há também a subdivisão destes. O patótipo DEC é subdividido nas seguintes categorias: E. coli enteropatogênica (EPEC) que causa diarreia em pacientes pediátricos; E. coli enterohemorrágica (EHEC), que promove hemorragia gastrintestinal; E. coli enterotoxigênica (ETEC), responsável pela “diarreia dos viajantes”; E. coli enteroinvasiva (EIEC), que possui capacidade de invasão dos enterócitos; E. coli produtora de toxina Shiga (STEC), que resulta em diarreia e colites hemorrágicas; E. coli enteroagregativa (EAEC/EaggEC) que produz diarreia contínua, e, por último, a E. coli produtora de aderência difusa (DAEC) .
As linhagens de ExPEC, que por sua vez é formada por outras estirpes, incluem as cepas relacionadas à meningite de recém-nascidos ou meningite neonatal (NMEC), quadros de septicemia (SePEC), distúrbios respiratórios e sistêmicos em aves (APEC) e as que resultam em distúrbios do sistema urinário. Estas últimas recebem a classificação de E. coli uropatogênicas (UPEC) .
1.2. Fatores de virulência de E. coli uropatogênica (UPEC)
A E. coli uropatogênica (EPEC) é a principal estirpe responsável pelos quadros de infecção bacteriana do trato urinário de animais e humanos (SIDOW, 2005). A colonização e estadia dessa bactéria estão provavelmente relacionadas com os fatores de virulência (tabela 1), os quais são expressos por genes contidos em extensos segmentos de DNA cromossomal (ilhas de patogenicidade [PAIs]), fagos ou plasmídeos . Através de um fenômeno denominado conjugação, esses genes são transmitidos entre as bactérias por plasmídeos, horizontalmente .
Os fatores de virulência de UPEC incluem adesinas, toxinas (hemolisina), antígenos polissacarídeos (“O”) e capsulares (“K”) e proteínas de captação de ferro, sendo estas últimas conhecidas como sideróforos . Esses fatores são quem determinam a classificação dos inúmeros sorogrupos de E. coli através da utilização de antissoros . A ligação entre essas bactérias e receptores presentes na superfície das células-alvo do hospedeiro se dá por meio das adesinas presentes na extremidade das fímbrias, as quais se dividem em diferentes classes com marcada importância na patogênese da infecção do trato urinário.
1.2.1. Adesinas
As adesinas são cadeias de peptídeos presentes na superfície bacteriana, no terço final das fímbrias, que fornecem a habilidade de forte adesão às células do hospedeiro, tomando a etapa inicial do processo infeccioso e possibilitando a subsequente expressão dos demais fatores de virulência das estirpes de UPEC . A forte interação entre a bactéria e a célula-alvo hospedeira faz com que estes microrganismos permaneçam fixados, mesmo quando for exercida força mecânica decorrente do esvaziamento da vesícula urinária no momento da micção .
Dentre as principais adesinas das estirpes de UPEC estão as fímbrias tipo 1 e fímbrias P, que apresentam morfologia semelhante com exceção da sensibilidade e resistência à manose, respectivamente . Entretanto, fímbrias do tipo curli e S também já foram relatadas . Independentemente do tipo, essas adesinas propiciam a colonização e geração de biofilme que fornecem atributos vantajosos aos antígenos .
A fímbria do tipo 1, também conhecida como pili, é caracterizada por possuir morfologia estrutural constituída por filamentos helicoidais e possibilitar a adesão imediata da E. coli às células epiteliais do trato urinário . A ligação ocorre de forma específica em receptores de células eucarióticas integrados por D-manose, um carboidrato pelo qual essa fímbria apresenta sensibilidade, promovendo a aglutinação de eritrócitos . Por fim, a colonização do urotélio da vesícula urinária por cepas de UPEC que expressam a fímbria tipo 1 resulta no desenvolvimento de cistite .
Por sua vez, a fímbria P, expressa em estirpes de UPEC, é a principal responsável por quadros clínicos de pacientes com pielonefrite . Sua interação com os receptores específicos presentes nas células epiteliais do trato urinário é forte, fazendo com que a bactéria não seja removida por forças mecânicas; promove também a ruptura da camada mucosa da vesícula urinária, estimulando a atividade imunológica do hospedeiro . Essa fímbria é dita como manose-resistente a aglutinação de eritrócitos, se opondo à fímbria tipo 1 .
É possível identificar, em estudos feitos com amostras semeadas in vitro, a expressão de algumas fímbrias através da avaliação de pH, osmolaridade do sítio, areação e mensuração da temperatura .