A Lei Federal 11.445/2007, considerada o marco regulatório dos serviços de sanea-mento básico, ressalta como grande novidade a previsão de delegação da prestação do serviço de saneamento e sua regulação, através da designação da entidade de regulação e fiscalização, o que denota a impossibilidade da cumulação da prestação do serviço e a respectiva regulação no mesmo ente administrativo, ou, no mínimo, uma legítima preocupação legal para que se diminua a incidência do fenômeno da captura da atividade regulatória.
O principal objetivo do marco regulatório é buscar garantir a universalização dos ser-viços, através da definição de tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos como a modicidade tarifária, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia do setor, de forma a prestar serviços com qualidade a custos menores.
As metas nacionais e regionalizadas estabelecidas no Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab, para o nível de atendimento e investimento, de curto prazo, dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, segundo o artigo 52 da Lei nº 11.445/2007, não foram alcançadas, demonstrando a deficiência da atuação regulatória no setor.
No curto prazo, entre os anos de 2013 a 2018, o baixo nível de investimento nos sis-temas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, geraram baixos níveis de cresci-mento da população atendida e um elevado tempo estimado para universalização na prestação dos serviços, dificultando o alcance de níveis crescentes de atendimento e a sua universaliza-ção.
O baixo nível médio de recursos disponíveis para investimento anual pelos prestado-res de serviço, são evidenciados, de forma geral, pelos deficitários índices de suficiência de caixa, que decorrem da relação da tarifa média inferior à despesa média, na grande maioria das empresas de saneamento, sugerindo que os serviços no setor são em grande parte também de-ficitários, fato este, que pode comprometer a sua qualidade. A política tarifária é fundamental para a sustentabilidade e equilíbrio econômico-financeiro da prestação dos serviços.
Do total investido anualmente no período, segundo a origem dos recurso, nos siste-mas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, os recursos próprios representam em média 55,4%, enquanto os recursos onerosos representam 30,5% e os recursos não onerosos representam apenas 14,1%.As grandes companhias estaduais de saneamento, que são os prestadores de serviço regionais, apresentam maior capacidade técnica e financeira, e portanto, de forma geral, são os que mais investem nos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário com recursos próprios e recursos onerosos. Por outro lado, as companhias de saneamento de médio e pequeno porte, que são os prestadores de serviço microrregionais e locais, apresentam menor capacidade técnica e financeira, e portanto, são os que mais investem nos sistemas de abaste-cimento de água e de esgotamento sanitário com recursos não onerosos e recursos onerosos.
Portanto, a grande parte da responsabilidade do déficit no atendimento na prestação dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, como também, a dificulda-de no alcance de níveis crescentes de atendimento e a sua universalização, recaem nos presta-dores de serviço regionais, que são as grandes companhias estaduais de saneamento. Esta cen-tralização na prestação do serviço é o grande gargalo da atuação regulatória no setor.
Dos 26 prestadores de serviço regionais (companhias estaduais) de saneamento, so-mente 5 apresentam capacidade plena de investimento nos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Esta pequena proporção (19%) dificulta o alcance de níveis cres-centes de atendimento e a sua universalização, demonstrando mais uma vez a deficiência da atuação regulatória no setor.
Portanto, observa-se que poucas determinações da nova lei foram colocadas em práti-ca. A regulação econômico-tarifária ainda não foi de fato implantada. Poucas agências deram início aos estudos de avaliação para auditar e certificar as infraestruturas atualmente existen-tes, bem como acompanhar os investimentos que estão sendo realizados. Além disso, as agên-cias têm encontrado obstáculos às suas atividades em razão da forte influência política na ges-tão das empresas estaduais de saneamento.
As organizações sociais no setor de saneamento
As entidades públicas do setor de saneamento ainda são muito incipientes e os órgãos reguladores estaduais e municipais são fracos diante das grandes empresas de saneamento. Falta hoje um órgão regulador a nível nacional. A baixa regulação do poder público, aliada à omissão do estado, prejudica o desenvolvimento do setor.A pesquisa conclui que a falta de investimentos está relacionada, em parte, à falta de uma regulação efetiva, que tem permitido práticas tarifárias que deixam as principais empresas de saneamento em situação deficitária, ou, quando superavitária, com baixa capacidade para realização de investimentos.
Este trabalho propõe que, além de fortalecer a regulação em nível estadual e munici-pal, é preciso estabelecer uma regulação em âmbito nacional. É preciso mudar a Lei n° 9.984/2000, que trata da criação da ANA e de suas competências, para incluir a regulação dos serviços de saneamento como uma das atribuições da agência. Uma regulação nacional irá tra-zer novas perspectivas ao setor que hoje carece de uma atuação mais efetiva da União. As en-tidades reguladoras estaduais e municipais não estão sendo capazes de cumprir com as suas obrigações legais de definir estruturas tarifárias que não apenas gerem a modicidade tarifária, mas garantam o equilíbrio econômico-financeiro das empresas.
Com o estabelecimento de uma entidade reguladora nacional, os serviços de sanea-mento serão prestados mais próximos do princípio da eficiência e da sustentabilidade econô-mica, estabelecido pela Lei no 11.445/2007. Ao buscar respeitar esses princípios fundamentais, não apenas haverá melhorias nas condições econômico-financeiras das empresas (públicas e privadas) que hoje atuam no setor, como também atrairá mais empresas da iniciativa privada que poderão trazer novas fontes para investimento no setor.
Por fim, a regulação deverá também estabelecer padrões e normas para os prestadores dos serviços de saneamento, como a adoção de métodos, técnicas e processos que levem em conta as peculiaridades locais e regionais, a garantia da segurança, qualidade e regularidade no fornecimento, a integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos, bem como a transparência nas ações e a universalização dos serviços de saneamento básico. Mesmo investindo mais em saneamento, sem uma regulação efetiva, os investimentos dificilmente serão bem empregados.
Para tentar contornar esta situação o Congresso Nacional aprovou um novo marco re-gulatório do saneamento básico (PL 3261/19), que agora segue para sanção presidencial. O ponto principal do projeto é estabelecer prazo para licitação obrigatória dos serviços de sanea-mento, em que empresas privadas e estatais competirão. Atualmente, os prefeitos e governado-res podem optar pela licitação ou por firmar termo de parceria direto com as empresas estatais. De acordo com a proposta, as estatais poderão renovar o termo, mas novos contratos de pro-grama serão proibidos após a publicação da lei. Além disso, a Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pelo gerenciamento dos serviços hídricos federais, passa a operar como uma reguladora do setor de saneamento, dando diretrizes a serem seguidas por municípios e estados. A análise deste novo marco regulatório do saneamento básico (PL 3261/19) não faz parte do escopo deste trabalho.