A história da internação de crianças e adolescentes em instituições asilares, como eram intituladas as instituições de acolhimento no Brasil, perdura por um longo período de tempo. Durante os séculos XIX e XX o destino das crianças pobres e/ou pertencentes a famílias que não tivessem condições de criar seus filhos era certo: elas eram encaminhadas para instituições destinadas a órfãos ou crianças abandonadas . Historicamente as crianças pobres foram alvos de atuação do poder da Igreja e do Estado.
A história dos abrigos teve início com as crianças indígenas, no período colonial, quando o Brasil era politicamente e economicamente dependente de Portugal. Nessa época, as crianças e jovens indígenas eram encaminhadas para as casas de recolhimento ou casas para meninos e meninas indígenas. Essas casas eram geridas por padres jesuítas, os quais tinham por objetivo batizar e incorporar as crianças ao trabalho, essas instituições destinavam-se a receber todas as crianças e jovens considerados “perigosos”, esse termo referia-se a todas as crianças: carentes, abandonadas, infratoras, deficientes, doentes, ociosas, perambulantes ou que apresentassem conduta antissocial .
Durante o período colonial as relações sexuais de senhores de engenho com escravas ou índias era uma prática comum, apesar de possuir caráter libertinoso, delas nasciam filhos “ilegítimos”, o que ia contra a moral do casamento. As crianças nascidas do adultério eram abandonadas, salvo raras exceções. Esse cenário de ilegitimidade familiar e a pobreza constituíam os principais motivos de abandonos da época .
Em seguida, surgiu a política escravocrata, a qual acreditava que não era rentável economicamente criar crianças para tornarem-se escravas, pois a criação de uma criança tinha o custo maior do que a importação de um escravo adulto, pois este com um ano de trabalho já pagava o preço pelo qual ele foi adquirido, já a criança demoraria muitos anos para dar retorno financeiro aos senhores de engenho . Essas crianças escravas também eram abandonadas, o que acarretou em um grande índice de mortalidade infantil, na época.
Em 1726, a política pública tinha o interesse de proteger a honra de particulares, escondendo a ilegitimidade do abandono com um véu assistencialista e religioso. Dessa maneira, para atender à internação das crianças foi implantado o primeiro sistema de “Roda para Enjeitados ” (figura 01) no Brasil, o qual foi instalado na parede da Santa Casa em Salvador, em seguida, no ano de 1738 no Rio de Janeiro, em 1825 em São Paulo e em 1831 em Minas Gerais. Esse sistema foi criado em 1188, em Marselha, na França, e só foi extinto nos anos cinquenta (ARANTES, 2004). A roda era um cilindro de madeira, no qual as crianças eram colocadas do lado de fora para que fossem recolhidas, sem que a identidade de quem as abandonasse fosse revelada.
Essa prática rudimentar foi adotada com o intuito de conter o abandono de crianças nas ruas. Foi então que surgiu a instituição intitulada de “Casa de Expostos”. Cabia às Câmaras Municipais o zelo pelos abandonados, o que permitia a cobrança de impostos perante a sociedade. Com a Independência do Brasil, de acordo com um decreto imperial, realizado em 1854, torna-se uma questão de ordem pública a criação de políticas públicas para as crianças e adolescentes. Já a Proclamação da República, em 1889, não trouxe mudanças no conteúdo dessas instituições, o que ocorreu foi uma expansão delas por particulares com subsídios públicos, decorrente do rompimento das relações entre a Igreja e o Estado .
Diante do contexto politico social da época a questão de ordem aliou-se à questão da higiene, o que fez surgir no final do século XIX, a preocupação, por parte dos médicos, com a mortalidade infantil, amamentação, inspeção nas escolas, ao que diz respeito às questões de salubridade. A partir disto surgiu a ideia de criar a creche para substituir a “Roda”, com suporte na política médico higienista adotada na época. Sendo assim, em 1903, no Rio de Janeiro-RJ, foi fundada a “Escola Correcional 15 de Novembro”, a qual deveria ter como prioridade a ordem social, que seria aplicada através da correção de maus comportamentos, com medidas correcionais, surgiram ainda as casas orfanatos preparatórias para o trabalho. Em 1924 foi criado o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores e Abrigo de Menores .
Рolítica nacional de bem-estar juvenil
Segundo Berger (2005) em 1927, foi criado o primeiro “Código de Menores”, o qual cuidava das questões de higiene e da delinquência, os menores eram classificados como abandonados ou delinquentes. Já em 1964, foi fundada a Política Nacional de Bem Estar do Menor- PNBEM- a qual foi estabelecida pela Lei 4.513, que foi posta em prática pela Fundação Nacional de Bem Estar do Menor- FUNABEM- com objetivo de gerar uma política nacional de bem estar para as crianças e adolescentes. Até que em 1988, entra em vigor a nova Constituição Federal, a qual foi intitulada “cidadã”, que contempla em seus artigos a proteção absoluta as crianças e adolescentes, além de agregar políticas de assistência, previdência social e saúde.
A década de 1980 caracterizou-se pela abertura democrática do país e em 1986 foi fundada a Comissão Nacional Criança e Constituinte, além da alteração da FUNABEM, que saiu da Previdência Social e passou para o Ministério do Interior, responsável pelas áreas sociais e de desenvolvimento. Até que em 1988, a nova Constituição Federal, a qual era chamada de “cidadã” contempla a proteção integral a crianças e adolescentes em dois de seus artigos. De acordo com Arantes (2004) “[…] a ideia de que lugar de criança pobre é em algum tipo de instituição […]” foi alinhada ao enviarem as mesmas para “Abrigos”, “Casas”, “Lares”, “Orfanatos”, “Recolhimentos”, “Colônias”, “Aldeias”, “Presídios” e “Internatos”, pois isso acontece não somente como uma maneira de prestar algum tipo de assistência, mas também para retirá-las da rua e para separá-las dos supostos maus hábitos das suas famílias.
De acordo com Pilotti e Rizzini até o final da década de 1980, as instituições fechadas nas quais as crianças e jovens eram internos recebiam a denominação de “orfanatos” ou “internatos de menores”, dentre os quais a maioria dos internos possuía família, o que não deveria ocorrer, pois o abrigamento teria de ser adotado como o “último recurso”, ou seja, apenas quando as crianças não possuíssem nenhum parente. Até que em 1990:
Diante desse legado insidioso, o sistema de abrigamento como política de garantias chega à era ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) com responsabilidade nunca tão histórica de fazer do abrigo um porto seguro com provisoriedade que lhe cabe, um posto de transição entre um direito negado – o da criança viver plenamente o presente do seu presente – e a continuidade cidadão dos seus cálculos de vida, sem os sobressaltos que comprometam, desde logo, seu futuro .
A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, faz com que a prática dos orfanatos não seja mais utilizada, este era um local voltado para crianças abandonadas e sem direitos, as quais ficavam “internadas” até atingirem a maior idade, conforme exposto anteriormente. Surgindo uma nova atividade do acolhimento, a qual segue as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A partir de sua elaboração as crianças e adolescentes passaram a ser considerados indivíduos com direitos, surgindo assim os abrigos, formato que perdura até hoje. Esses abrigos, são regidos pelo programa de acolhimento institucional estabelecido pelo ECA, o qual determina, em seu capítulo III, art. 19:
§ 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.
Segundo Marcílio (1998) a história dos abrigos pode ser dividida em três fases de sua existência: 1) período colonial até início do século XIX, lar para enjeitados; 2) a partir de 1960, com a escola corretiva para pobres; 3) a datar de 1990 até os dias de hoje, em que o abrigo deve ser um local de proteção.
Atualmente as questões que dizem respeito às crianças e adolescentes estão a cargo da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA – responsável pela coordenação nacional da Política de Proteção Especial às Crianças e aos Adolescentes em Situação de Risco Pessoal e Social. Essa Política de Proteção Especial contempla todo o sistema de garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, composto pelos Conselhos de Direitos e Tutelares, Ministério Público e Judiciário. Porém, 68,3% dos abrigos são não governamentais. No que diz respeito à manutenção dessas instituições não governamentais, cerca de 70% dos recursos são próprios ou provenientes de doações de pessoas físicas ou jurídicas. A contribuição dos recursos públicos sinaliza apenas um terço do total (BERGER, 2005).