A primeira dúvida que se instaura é a seguinte: tal soneto (um fragmento), clássico e popular pelas figuras de linguagem empregadas (antíteses e oximoros), pode ser considerado como um dos modelos a serem estudados quando o assunto é a temática do desconcerto do mundo em Luís Vaz de Camões? A resposta é sim, pois através dele não nos vinculamos a uma definição imediata do objeto contraditório e paradoxal que o poeta pretendeu averiguar, no caso, o Amor.
O que é um caso de amor?
Dito isso, por um lado a relação amorosa é algo mesmo irrealizável, com o objeto do desejo se firmando inatingível, ideal; por outro, ao descrever a mulher amada, emprega meios que a faz migrar do plano sensível para o inteligível, ou seja, com isso desperta, revive/relembra um conhecimento esquecido, seja em direção ao sentido (rente à matéria), ou intelecto (rumo ao divino).
E tudo é (neo)platônico por excelência. O poeta, em meio a essas formas conflituosas, protagonista de uma real tensão, perderá, por vezes, a própria identidade: Transforma-se o amador na cousa amada / Por virtude do muito imaginar. Ou, ainda, protagonizando dilemas existenciais: Fui mau, mas fui castigado: / Assim que só para mim / Anda o mundo concertado.
Eis então o Amor retrabalhado não só como um símbolo do desejo, mas também causador dos desconcertos a que ainda hoje estamos submetidos, os mesmos que Camões vivia. O homem evoluiu no pensamento, mas ainda há de se reconhecer nessa luta de si contra si em todas as contradições e paradoxos que encurralam os sentidos humanos.
Por isso podemos afirmar, citando Saraiva (2001, p. 322), que Camões constrói (…) um esboço da própria marcha de dois pés, o pé do real e o pé do ideal, (…) das ânsias em que o desejo vai, afinal, constantemente recriando como coisa humana.
E agora uma ressalva: desde que em 1595 apareceu o primeiro corpus camoniano, publicado por Fernão Rodrigues Lobo Soropita, o mesmo acabaria “incrementado” com novas contribuições de diferentes editores até o século XIX (com o manuscrito do Visconde de Juromenha), sendo que até hoje muitos críticos divergem quanto ao seu verdadeiro conteúdo. Sobre isso, faz-se crucial o trabalho realizado pelo professor Leodegário de Azevedo Filho, que por muitos anos expurgou todos os equívocos atribuídos ao poeta, no sentido de ratificar a lírica que Camões verdadeiramente compôs.
No tocante à sua épica, a temática é, convenhamos, plural. O povo luso é seu herói, fazendo-se presente através de intrépidos navegantes que rasgaram o mar desapegados de tudo, até do próprio viver. Nesse sentido, a convocação dessa viagem é um convite ao sonho, e torná-la real foi uma aventura infinita. Por isso que Camões consagrou a sua imagem também como a de um eterno viajante tendo, inclusive, nos idos de 1553-1555, refeito a própria rota de Vasco da Gama.