Tratando-se de uma ilha, o acesso sempre ocorreu pelo mar. Membros da comunidade se recordam, que para chegar até Matarandiba o acesso se dava por meio de dois navios, o João das Botas e o Visconde de Cairu, que partiam de Nazaré e Jaguaripe a cada três dias, percorrendo regiões vizinhas até chegar ao porto, onde se dirigiam canoas e saveiros para receber ou embarcar pessoas ou mercadorias. Segundo relato dos moradores, os navios a vapor levavam duas horas e meia para percorrer a costa da Ilha de Itaparica, mas não atracavam em Matarandiba; então em sua parada canoeiros dirigiam-se até a banca, localizada na ponte do funil onde se firmavam a fim de estabelecer conexões necessárias para o seguimento da vida na Ilha.
Com o processo de industrialização da Bahia na década de 1950, o crescimento da indústria automobilística e a construção da malha rodoviária associada aos investimentos da Petrobrás, segundo o relatório preliminar sobre a Ilha de Matarandiba elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (2018) em função da descoberta de petróleo na Baía de Todos os Santos, a economia agroexportadora construída em torno da cana-de-açúcar do baixo sul, e do fumo dos tabuleiros do Paraguaçu entra em decadência, fazendo com que as atividades que envolviam esse universo fossem perdendo força. As comunidades existentes nessas localidades não foram imunes às influências da economia capitalista e os produtos comercializados por eles entraram em desuso, saindo do foco do mercado mundial. É o que aduz Araújo (2011, p. 65) em sua narrativa sobre a Baía de Todos os Santos. “O tempo da tecnologia do petróleo, após 1945, não poupou o território colonial da baía. Gasolina, asfalto, estradas, caminhões e automóveis terminam por definir outra forma de organização territorial”. Assim, a rota comercial e humana é alterada, ocorrendo uma progressiva desativação dos circuitos marítimos tradicionais, deslocando o papel de centralidade principal do entorno de Salvador para os municípios que receberam esses investimentos e abrigaram a nova indústria, no Recôncavo Norte, São Francisco do Conde, Candeias, Simões Filho e no Litoral Norte Atlântico, Lauro de Freitas e Camaçari.
O desenvolvimento da ilha
Uma rocha sedimentar composta essencialmente de NaCl foi descoberta pela Petrobrás na década de 1960. Situada no Rifte do Recôncavo – Tucano – Jatobá, representada por arenitos finos conglomeráticos, conglomerados, folhetos e calcilutitos do Grupo Brotas, sendo a descoberta repassada para a Dow Chemical Company. Esse período é descrito por Freire (1981, p. 62) “como uma transição efetivada mediante uma ideologia do “desenvolvimento” na qual a ideia da grande empresa internacional substitui a ideia do monopólio estatal com base para o “desenvolvimento””. Dessa maneira, uma parte significativa dessas terras ocupadas pelos povos e comunidades tradicionais sofreu com a internacionalização promovida pelos governos militares (1964-1985). Para Ferreira, Negrelle e Zanatta (2010) essas políticas não levaram em consideração a grande perda da biodiversidade brasileira já que agiram em nome de um desenvolvimento econômico meramente industrial, sendo então contempladas com a grande oferta de benefícios fiscais destinados a grandes grupos que ocupassem áreas nativas.
Em nome da ação, a multinacional norte-americana de produtos químicos, plásticos e agropecuários deu continuidade aos estudos, beneficiada pelo direito de lavra, regulamentado pelos órgãos de fiscalização para extração mineral das jazidas de sal-gema, minério obtido da precipitação química pela evaporação da água que serve como matéria-prima na produção de cloro e soda cáustica.
A exploração se efetiva em 1970 quando o primeiro poço é perfurado, ocorrendo a produção e transferência de salmoura através de um salmouroduto que liga Matarandiba a Base de Aratu. A exploração acarreta a aquisição de 97% das terras da ilha pela empresa citada, tornando-a detentora dos direitos minerários para a extração de salmoura, restando por volta de 3% do território para à comunidade. A terra é mais facilmente cercada que o mar e dos infinitos palmos de chão que consubstanciam parte o território, a Dow se apresenta como proprietária “quase” exclusiva.
De acordo com Castro (2013), Leal (2014) e Souza (2019), com a instalação da empresa, uma parte do estreito de mar que separava Matarandiba de Itaparica é aterrado, cerca de 300 metros, criando assim uma estrada que conecta a vila a BA-001, passando pelas terras da Dow, construída para fazer escoar sua produção e maquinário e alterando significativamente a vida diante da mobilidade conquistada. Uma parte da comunidade acredita que o aterramento tenha contribuído para melhorias na vida cotidiana pela facilidade de acesso ao continente; outro grupo, por sua vez, acredita que o aterro modificou o fluxo das águas, afastando espécies marítimas de grande porte e de maior valor comercial, comprometendo a existência do ecossistema marinho e o meio de sobrevivência da comunidade. Apesar da exposição contrária à construção do aterro e todas as falas em tom de denúncia, jamais foi feito qualquer estudo que tenha medido o impacto da ação da empresa