A aplicação do código disciplinar tem, desse modo, o intuito de reduzir os desvios a partir de um padrão social previamente constituído com o objetivo de regularizar, porque se pretende, ao extinguir os defeitos, “que todos se pareçam uns com os outros e todos se pareçam com o padrão fixado. O exame combina as duas técnicas: não apenas vigia mas também normaliza.”
Quanto às famosas avaliações, duas funções podem ser destacadas. Entre outras, que servem para medir e vigiar o desempenho dos alunos, pautando-se na nota obtida, bem como para normalizar, na medida em que se comparam os desempenhos dos estudantes; o aluno que tirou uma nota abaixo da média é sempre pressionado para que se saia melhor nos próximos exames e, assim, se pareça mais com o aluno que tirou uma nota maior.
As provas provocam, então, duas possibilidades que se relacionam entre si: ao mesmo tempo em que permitem a constituição do indivíduo como objeto descritível, com o intuito de analisar-se seus traços particulares, permitem a constituição de um sistema comparativo, que possibilita mensurar os desvios do grupo como um todo.
Para Foucault (2002), os exames são fundamentais, visto que sujeitam o próprio indivíduo a examinar seu “verdadeiro eu”. Como resultado, os indivíduos são qualificados e objetivados.
Contudo as pessoas constroem suas identidades na dimensão em que esses objetivos e classificações são incorporados por elas. Foucault conclui, segundo Paniago (2005), “que as disciplinas efetivamente fabricam indivíduos.” Para ele, “o indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação ‘ideológica’ da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama disciplina.’” (AUTOR, 2002, p.161). E é de tal modo que Foucault defende que o poder não é essencialmente negativo.
O poder não pode ser repressivo
Мas pode tornar mais simples e aceitável algum ponto, na medida em que estimula, ou atrai. A positividade do poder encontra-se no fato de que existem instituições e tecnologias, muitas vezes, porque são construídas a partir da organização imposta pelo poder. Nesse panorama, cabe à disciplina, não apenas a função de eliminar os desvios, mas também de, efetivamente, aumentar a utilidade dos indivíduos, segundo Paniago (2005).
Foucault alerta para o fato de que, usualmente, se descreve o poder por meio de termos negativos, tais como, “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”, “esconde”, porque, verdadeiramente, “o poder produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade.”
Numa breve analogia entre a escola e o hospício, pode-se afirmar que o louco não é anterior ao hospício, e sim o hospício produz o louco como doente mental, individualizado a partir de relações de poder e saber. Tal constatação foi muito bem analisada na obra de Foucault, História da Loucura. Partindo-se dessa visão, poder-se-ia indagar: o que realmente a escola produz?
O exercício de poder acontece por constructos categoricamente tênues, diminutos, formando uma rede da qual as pessoas não escapam, que faz com que cada um de nós seja, intrinsecamente, titular de um certo poder e que, por isso, veicula poder (Foucault, 2001b, p. 160). Na escola, por exemplo, o panoptismo sobre o qual Foucault (2011:194) fala “deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações de poder com a vida cotidiana dos homens.” Por exemplo, uma apreciação, ou crítica apressada poderia induzir a concluir-se que a disposição das carteiras na sala de aula em círculos é mais libertadora do que a disposição em fileiras. O argumento utilizado para isso, de acordo com Paniago (2005), é o de que, dessa forma, o estudante teria mais possibilidade de se manifestar e de ser ouvido.
Para estimular, ainda mais, esta discussão, deixo a mesma interrogação que encerra a terceira parte do livro Vigiar e Punir, intitulada Disciplina: devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais e todos se pareçam com as prisões?