Segundo o pensamento hobbesiano, existe um acordo entre os homens, que é criado e mantido por meio de um pacto, um acordo que constitui o poder comum, que sujeita todos a obedecer e orientar as suas ações em favor de um bem geral. Em outras palavras, este acordo confere força e poder a um homem ou a uma assembleia de homens, que por sua vez simboliza a pluralidade de vontades reduzindo-as a uma só, equivale a dizer que: necessariamente apenas um seria designado com a finalidade de representar todos, e a partir desse ponto se reconheceria na pessoa do representante a vontade de todos os que por ele são representados.Deste modo, o povo assim unido em uma só pessoa, origina a primeira concepção do que posteriormente seria chamado de Estado. A sua essência traduz-se exatamente nisso, mediante pactos recíprocos uns com os outros, os homens de maneira voluntária concordam em transferir o poder a uma única pessoa, que passa a ser o titular legítimo da vontade de todo restante.
Feita essa suscinta e genérica abordagem que remonta a uma das teorias de formação do Estado nas concepções do jusnaturalismo contratualista, avança-se na reflexão para o processo de institucionalização próprio da modernidade – Estado de Direito, Estado Social, Estado Democrático de Direito – aprofundando e trazendo bem mais para o campo de organização política ou sistema político.Estudar o Estado, no dizer de Lênio Streck, e a relação que este possui com a sociedade, implicará indispensavelmente em discorrer sobre a sua estrutura, as particularidades que envolvem o próprio exercício das instituições responsáveis pela sociedade, de modo que se possa interpretar a complexidade que envolvem o poder, a democracia, os direitos, garantias, entre outros.
O Estado de Direito
Segundo J. J. Gomes Canotilho , cada período histórico estabelece as suas experiências jurídicas, com as suas especificidades, critérios e padrões próprios de juridicidade. O Estado de Direito surge como um conceito que teria condicionalidade temporal, ou seja, se adequaria a passagem e evolução do tempo, concebendo-se como um sistema aberto, rejeitando a ideia de considerá-lo como um sistema de valores fechados que consequentemente se tornam fixos, e por fim, esgotam-se em si mesmos.O Estado não possui natureza invariável, com características universais, deve na verdade ser compreendido como um processo dialético, que reflete a dinâmica das realidades sociais, constantemente em mutação.
É em terras germânicas que a locução Estado de Direito – Rechtsstaat – foi empregada pela primeira vez no início do século XIX,inicialmente, essa concepção era essencialmente política, e somente após as contribuições doutrinárias dos juristas alemães que a ideia é desenvolvida e se passa a admitir que o tema seja objeto da dogmática jurídica.Firmado esse precedente jurídico-político, é na tradição inglesa que ganha fortalecimento e conduz a doutrina que receberia a denominação de rule of law. O eixo principal em que se consolida a doutrina surge da obrigatoriedade do rei estar subordinado à lei, traduzindo a ideia de um Estado que é produto do direito e dele submisso.
Este conceito foi desenvolvido pela corrente positivista (Kelsen e Bobbio), que vincula a ação do Estado pelo Direito, ou seja, desassocia-se da concepção absolutista em que os soberanos dispunham de um poder ilimitado, para submetê-lo a um regime de direito. Sendo assim, no Estado de Direito, a atividade estatal está subordinada à lei, vigora o princípio da legalidade, em que todo e qualquer ato é regulado por uma ordem jurídica, que garante a supremacia das leis estabelecidas, concedendo assim a descentralização do poder gerando a participação mais efetiva da sociedade civil, que passa inclusive a dispor de mecanismos jurídicos para salvaguardar os seus direitos diante das ações abusivas do Estado.
O Estado de Direito foi indubitavelmente o ponto de partida para o Estado Democrático, sistema político que fixou as suas raízes no final do século XIX e início do século XX. A base que serviu de conceito para o Estado Democrático se revela na própria etimologia do termo democracia – a noção de um governo que pertence ao povo – por esta razão, muitas vezes é denominado também como Estado Constitucional.
Eventos que criaram o estado de direito
O Estado Democrático de Direito é resultado de três grandes acontecimentos político-sociais: o primeiro desses foi a chamada Revolução Inglesa, que teve a sua expressão mais significativa no Bill of rights em 1689, fortemente influenciado pela teoria contratualista de John Locke; o segundo foi a Revolução Americana ocorrida em 1776, com a Declaração de Independência dos Estados Unidos; e o terceiro a Revolução Francesa, este responsável por consagrar as aspirações democráticas do ideal de lei como volunté générale, que favoreceu para que surgisse a concepção de nação, que unificava e reunia em uma só as vontades e interesses de todos.
Sob a influência deste neste novo prisma de sociedade política, se consolidam as exigências que norteariam o Estado Democrático, baseado em três princípios fundamentais: a soberania da vontade da maioria, que poderia até ser exercido por mais de um órgão, mas não haveria a possibilidade de não ser sujeito ao povo. Coloca-se em questão a problemática acerca da participação popular no governo, especialmente no que concerne a discussão sobre a representatividade. A constitucionalidade, advinda da necessidade de uma Constituição que fosse instrumento capaz de servir como garantia jurídica; e a igualdade, entendida na possibilidade de transformar as relações sociais, proibindo distinções no gozo dos direitos.A Constituição nessa perspectiva assume uma dupla finalidade – como uma ordem jurídico-normativa, que confere validade a todos os poderes públicos desta deriváveis, e na mesma medida desempenha a sua função como mecanismo assegurador dos direitos fundamentais, servindo de escudo contra eventuais abusos.
Quanto aos direitos fundamentais, estes se apresentam sob as seguintes características: podem ser compreendidos como as prerrogativas que todos os indivíduos possuem em face do Estado, são aqueles necessários para o livre desenvolvimento e garantia da dignidade da pessoa humana. Estes direitos formam um escudo protetor que é erigido pela própria sociedade com o objetivo de limitar a atuação abusiva por parte dos poderes estatais.Tais direitos são imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis e universais, e se situa a evolução destes direitos fundamentais em três gerações.
A primeira abrange os direitos advindos das revoluções americana e francesa, e são considerados de primeira geração justamente por serem os que inauguram os ordenamentos jurídicos. Os direitos de segunda geração são responsáveis por proclamarem os “direitos sociais”, visam assegurar a igualdade não apenas no aspecto formal, mas do mesmo modo material, entre os indivíduos, se relacionam aos ideais de luta por justiça social. Dizem respeito principalmente aos direitos de assistência social, saúde, educação, trabalho etc.
Já os direitos de terceira geração
Já os direitos de terceira geração se peculiarizam pela pretensão universalista, uma vez que os titulares não são mais os homens isoladamente, mas toda a coletividade. Merecendo destaque os direitos ao desenvolvimento, os de qualidade do meio ambiente, proteção da memória através da conservação do patrimônio histórico e cultural.Calcado nestes pressupostos de tutela de direitos e garantias fundamentais é que surge a questão central do presente trabalho – o garantismo.
Esta teoria jusfilosófica consiste em um sistema de garantias e direitos fundamentais, que se estende nos âmbitos civil, político e social, e volta-se a limitar o poder estatal objetivando coibir qualquer arbitrariedade.Há três acepções que fundam os pilares do garantismo, que embora possuam natureza distinta e significados diversos, ainda são conexos entre si.Numa primeira acepção do termo, o garantismo designaria um modelo normativo de direito. Sob o prisma do plano político, identifica-se como uma técnica de tutela que seria capaz de assegurar os direitos do indivíduo, de modo que possa maximizar a sua liberdade e minimizar a violência. Analisado através do plano jurídico, o garantismo se revelaria como um conjunto de vínculos que seriam impostos a função punitiva exercida pelo Estado.
Na segunda acepção do garantismo, este é denominado como teoria jurídica da validade e da efetividade, representando classes distintas uma da outra em razão da existência e vigência das normas. Nesse ponto, se faz uma comparação teórica entre o ser e o dever ser no direito, expondo o contraste existente entre a validade e o que efetivamente se cumpre no ordenamento jurídico.Por fim, na terceira e última acepção, o garantismo designaria uma filosofia política que reclamaria ao Direito, bem como ao Estado, o encargo de justificar externamente os bens jurídicos e interesses cuja tutela é posta como responsabilidade de ambos.Estas três acepções de garantismo transcendem o alcance teórico e filosófico da doutrina, com efeito, delineiam o que seria denominado como teoria geral do garantismo. Embora elaborado com um conteúdo exclusivamente penal, estes elementos acabam por serem utilizáveis também em outros ordenamentos, que foram igualmente marcados por crises internas e externas.