O Direito Penal há muito vem sendo tratado como uma solução para os problemas da sociedade, se apresentando, inúmeras vezes, como uma válvula de salvação e contenção daquilo que se julga reprovável no meio social. Sendo certo que desde os primórdios a maioria das civilizações se pautou no patriarcado, com a construção do direito não foi diferente.
O campo de estudo da criminologia teve início a partir da crítica do Direito e do sistema de justiça criminal, que não soluciona, mas oferece medidas imediatas que se transformam em problemas futuros. Entretanto, apesar de ter um viés voltado para a justiça, a criminologia foi pensada, originalmente, sob um ponto de vista androcêntrico, não se preocupando com as divergências históricas advindas das relações entre os gêneros, culminando em situações reprodutoras de desigualdade e injustiça.
Teorias criminológicas
Diversas teorias criminológicas foram desenvolvidas, no decorrer da história, de forma a pensar o feminino como algo biologicamente instável, vinculando-se a ideia do emotivo e da enganação, intrínseca à mulher, conforme pode se observar pela ótica do machismo, destarte não se preocupando de fato com as questões desiguais que permeiam esse campo do Direito. Pois que se perfez como uma área do conhecimento quase inteiramente centrada no masculino, seja por seu objeto de estudo, seus produtores de conhecimento ou pelo próprio saber.
Sua vertente tradicional se preocupou com a criminalidade como verdade ontológica, pré-existente, vinculada à defeitos do próprio sujeito, segundo panoramas biológicos, genéticos, culturais e multifatoriais, focando no crime e não no delinquente. Em contrapartida, a Escola Penal Positiva direcionou seus estudos para o criminoso e seu comportamento delitivo, de forma que seu foco era o passado e a hereditariedade do transgressor, deslocando o eixo do crime, para o criminoso. Foi nessa fase que surgir a chamada criminologia clínica, com estudo voltado ao estudo do criminoso através de pesquisas feitas em laboratório, unidades prisionais, com intuito de planear fórmulas ressocializadoras do preso. Já a criminologia crítica, também chamada de “criminologia radical”, “marxisa”, “nova criminologia”, volta-se ao estudo da criminalidade como criminalização, explicada sob a ótica dos processos seletivos de construção social do comportamento criminoso e de sujeitos criminalizados, como forma de garantir as desigualdades sociais entre riqueza e poder, dentro das sociedades contemporâneas. Não questionando as diferenças no processo de etiquetamento criminal ou o androcentrismo do controle social. O que falta na perspectiva destas criminólogas é o questionamento do direito penal em si.
A partir dessa última concepção abre-se a possibilidade de repensar os objetos do estudo criminológico, delito, autor do delito, vítima e controle do delito, através de uma perspectiva que leve em consideração o gênero feminino, suas especificidades e carga histórica. Trazendo a possibilidade de tratar temas como a descriminalização do aborto, os alarmantes números e diversas formas de violência sexual que, diuturnamente, estão expostas as mulheres. Pois que, com o enfoque na pessoa do criminoso e as situações que levaram ao acometimento do delito, abriu-se a porta para tratar de questões específicas de gênero, tendo atenção voltada para essas especificidades.