Irei reencontrá-los, ele pensou, acendendo um novo cigarro sob a fraca luz amarela de um poste da esquina. Deu uma tragada profunda e voltou a vigiar com atenção o outro lado da calçada, o restaurante, o ponto de encontro. Sim, ele assegurou — terei a minha despedida. Um longo tempo passou-se desde o julgamento, calculou e admitiu: seria diferente se ela permanecesse fiel às suas promessas ou então se ele fosse honesto com as suas palavras. Mas presumia as traições diante dele — e isso parecia tornar cada vez mais difícil a espera existente. Aguardava parado ali desde a última luz da tarde e viu o céu render-se a uma escuridão repentina, uma noite sem lua, ocultante e fria, toda dedicada a ele à espreita no canto mais escondido da pequena loja de doces. Enfim, o carro aguardado dobrou pela esquina ao longe e desceu a rua numa velocidade cada vez mais baixa, estacionando a menos de dez metros de distância. Na outra calçada, percebeu os passos no escuro. Dois vultos abraçados, acompanhados de um vulto menor à frente, se aproximavam do restaurante e deles vinha o eco de uma risada feliz, familiar. Fuzilou-os com os olhos. Mas quando passou a mão pelo cinto para sacar o revólver, o gesto foi inquieto.
Avançou em direção à rua movendo-se com cautela. Um passo. Outro. Estendeu o braço e olhou ao redor, prestes a tomar a decisão que o seu dedo no gatilho já sabia qual era, mas se achou diante de ngela como se só agora reconhecesse a extensão da sua falta. Não, não teria coragem. A poucos metros da entrada do local, a mulher, sob a luz forte de outro poste, parecia revelar o seu passado inteiro. Os olhos iluminados pelas lembranças o impedia de atirar. Seu corpo reagia à sua presença. Ali estava a mulher que o evitava já havia muitos anos, mas sentiu o seu rosto abrir num sorriso bobo. Desde a sua última visita, voltava a vê-la pela primeira vez. Extasiado, por um instante, pareceu perdoá-la, mas deteve-se, compreendendo, no último segundo, como seguiu sua vida: a criança, o anel no seu dedo e aquele homem a acompanhá-la.
O sorriso desmontou e ele balançou a cabeça em desaprovação. Sim, havia algo desagradável naquela companhia. O rosto de alguém que, há anos, aproximou-se de ngela na promessa de ajudá-la na sua carreira: um homem influente, mas. Mas. Tudo não passou de uma desculpa, um pretexto para assumir o seu lugar. A vertigem de um tempo que, nessa hora, deixava claro as reais intenções de Estácio e por alguma razão ngela o correspondeu. Ela aceitou-o para usufruir a sua riqueza? Aproveitar das suas conexões? Não conseguia imaginar isso. Eu não pude estar presente, defendeu-se, numa espécie de competição: se fui forçado a abandoná-la foi por causa do falso testemunho dele, e nele deveria recair a culpa. Recordou o seu coração enchendo de esperanças para acolhê-la e na frequência cada vez menor até, por fim, deixar de aparecer, notou a interferência de Estácio, vitorioso. Imaginou-se expulso da sua vida, do seu passado verdadeiro. Um ressentimento que o colocou agressivamente de volta à sua vingança.
É o pior momento
Seu primeiro impulso foi disparar contra ele. Deixar claro à mulher, cujo braço o envolvia, o engano vivenciado. Isso não era nada menos do que ele merecia. Afirmou a arma em punho, mas o prazer da agressão não persistiu. Ele não se permitia enganar. A garota de cerca de quatro anos que os acompanhavam, equilibrando-se pelo meio-fio, era necessariamente inocente. Não podia correr o risco de machucá-la. Pelo menos, assentiu, a deixaria viver. Como uma órfã? Não se apresentava uma opção das melhores. Mas receberia esse castigo por simbolizar a infeliz união. Expressar uma justificativa. Estácio a usou para comprometer ngela. Talvez, também, o que não acreditava: ngela enxergou em sua gravidez a oportunidade de se desprender dele, ao vê-lo recluso e fadado a uma vida de fracasso por sua condenação. Seriam eles bons pais? — ele perguntou-se, analisando como viveria se tivesse um filho. Queria ele um? Seu olhar centralizou no revólver que empunhava. Pensando bem, era melhor deixá-los para trás, recomeçar.
Mas o que fazer com a raiva sufocante? Era profundamente opressiva e mais que tudo ele desejava retribuir o desgosto. Estava destinado a matar, talvez; alguém que, só assim, recomeçaria a viver. E no entanto, conta-argumentou, acabava de permiti-los adentrarem ilesos ao restaurante. Teria sido melhor antes, não queria levar inocentes à morte, e parte de si já se preparava para isso. Talvez devesse mesmo lutar contra a ânsia de matá-los, ponderou, voltando a pensar na criança. Não. Apesar disso, ele sentia-se agredido pelas recordações. Precisava pensar um pouco mais. Saboreou mais uma tragada do seu cigarro e fechou os olhos. Refletiu por um longo minuto. A impunidade soou inconfortável. Dois longos minutos. Por que não a aceitaria? — ele questionou-se já prevendo a resposta: porque você foi rejeitado, eles ignoraram o ressentimento da sua solidão, eles intuíram que você não faria nenhuma coisa para procurá-los porque não reconhecem espaço para você em lugar algum das suas vidas. Eram motivos suficientes. Guardou a arma de volta à cintura e atravessou apressado a rua, como se eles o esperassem.