Formação econômica da amazônia

Encerrado o ciclo das drogas do sertão, única fonte de dinamismo econômico para a Amazônia, a região entra em declínio: ocorre a queda da renda per capita e a economia fica totalmente sem perspectivas, voltando-se, provavelmente, para a agricultura de subsistência para o consumo local. Roberto Santos (1980) menciona que somente a modificação de fatores condicionantes poderia modificar esse profundo cenário de estagnação:

i) A deflagração de um novo processo de estímulo externo, durável e vigoroso;
ii) A sustentação de dois estrangulamentos regionais para atender a essa nova demanda: o sistema primitivo de transporte e a escassez de mão-de-obra; e
iii) A vulgarização do dinheiro e do cálculo monetário na região.

• Explique detalhadamente o processo de alcance dessas condicionantes, levando em conta aspectos como o momento histórico vivido no mundo (pesquisa), as origens da demanda pelo produto, assim como da oferta local (capítulo 3); as estratégias de superação dos gargalos (capítulo 3 e 4) e de que forma o capital foi introduzido na região (capítulo 5).

– Explique detalhadamente o processo de alcance dessas condicionantes, levando em conta aspectos como o momento histórico vivido no mundo (pesquisa).

A elevação do preço do cacau, principal droga do sertão no final do século XVIII e início do século XIX, ocasionado pelo o aumento da demanda externa, possibilitou uma expansão considerável da economia extrativista na Amazônia. Segundo Santos (1980): “…a verdade é que se tratava de uma economia ainda muito dependente dos acasos do mercado, principalmente do mercado do cacau. Há fortes indícios, também, de que ela não se achava tecnicamente preparada, sequer para acompanhar com consequência as provocações do próprio mercado. De fato, tudo parece indicar que sua atividade principal é a extrativa. ” Sendo assim, a economia amazônica já nasce com um perfil bem claro: exportadora, extrativista e dependente dos mercados externos.

A partir da segunda metade do século XIX, com a segunda fase da Revolução Industrial e as suas inovações técnicas e tecnológicas (produção do aço, produção da energia elétrica, invenção do telégrafo e do telefone e fabricação dos automóveis), financiadas pelos capitalistas industriais, o mundo passou por intensas transformações.

Crescimento de grandes indústrias

A concentração de capitais e a ascensão das grandes indústrias (dos monopólios) tornaram viáveis o aumento da produção industrial e da industrialização pelo mundo, fazendo com que nos meios urbanos, meios rurais, nas fábricas e nos campos, as máquinas passassem a substituir a mão-de-obra humana. Este processo causou um acentuado índice de desemprego, fazendo com que as rendas dos trabalhadores diminuíssem. Dessa maneira, grande parcela da população, que ficou desempregada e com baixos salários, passaram a consumir mercadorias industrializadas com menor frequência, retraindo o mercado consumidor.

Motivado pela demanda externa e interna, por conta dos avanços com a borracha em meados da década de 1820, o estímulo externo e interno deixou de ser um estrangulamento para a economia amazônica, já que a região se beneficiava de mais um produto comercializável externamente. A região ainda tinha que superar os entraves ao desenvolvimento de formas modernas de transporte, por meio da navegação no rio Amazonas.

No que diz respeito ao desenvolvimento dos transportes, dois acontecimentos marcaram a modernização da navegação pelo Amazonas: a introdução do navio a vapor – fato realizado pelo Barão de Mauá – em 1853 e a abertura do Amazonas à navegação internacional em 1867. Tendo em vista estes acontecimentos, multiplicaram-se as companhias de transporte fluvial pelo Amazonas, movidos em grande parte pelo ingresso de firmas estrangeiras na região. Com isso, o transporte de borracha e de passageiros pelo rio Amazonas passaram a serem feitos em um ritmo mais veloz.

No que concerne a mão de obra, o problema da escassez relativa foi solucionado em um prazo maior e de forma variada. Em primeiro lugar, verificou-se no período uma baixa na quantidade de escravos e uma perda relativa de força de trabalho jovem, em decorrência das moléstias e dos conflitos experimentados desde o início do processo da independência até o período regencial. Como tentativa de superar esse gargalo, foi encorajado o recrutamento da população indígena com a finalidade de suprir os trabalhos básicos necessários à exploração da borracha.

Civilizações antigas (no continente americano) utilizavam a borracha de diversas maneiras, entre elas estavam: pagamento de tributos, festividades relacionadas à religião, uso do material em forma de bola no conhecido “jogo da bola”, impermeabilização de roupas, fabricação de calçados etc. Estas aplicações à borracha já demostram que os indígenas já detinham certo domínio sobre o material, domínio este que causou espanto nos europeus recém-chegados.

A borracha então passou de apenas surpreendente para ser do interesse prático dos europeus, visto que estes tinham problemas de vazamento em produtos feitos de couro. La Condamine e François Fresneau logo alertaram o velho continente sobre o potencial da borracha para fins industriais, isto antes da Revolução Industrial, ressaltando as características de impermeabilidade e elasticidade.

François Fresneau, o grande estimulador do uso da borracha na França, tinha por objetivo transformar a borracha em uma grande matéria prima para o processo de industrialização patente que estava se firmando na Europa. O problema enfrentado no primeiro momento foi o estado que a borracha chegava a Europa: solidificado. Contudo, o problema foi resolvido por François através da liquefação. Logo grandes manipuladores do produto foram se destacando e novas aplicações foram sendo descobertas: Thomas Hancock realizou a manufatura da borracha em larga escala e Charles Macintosh conseguiu fabricar tecidos à prova de água. Outro problema foram as dificuldades técnicas no manejo da borracha, esta ficava pegajosa na temperatura ambiente e dura demais no frio. O grande salto da demanda por borracha decorreu da resolução do segundo problema: a vulcanização. Como pode-se ver as demandas iniciais eram bem definidas e referentes à produção de roupas impermeáveis, borracha para apagar etc.

Mistura de borracha com enxofre

A vulcanização, desenvolvida por Goodyear, misturava a borracha com enxofre e colocava-a à luz do sol. Desta forma ficava protegida contra as mudanças quando exposta ao calor, frio, óleo e solventes, gerando um novo produto que divergia em alguns aspectos da borracha extraída dos seringais. A produção da borracha neste estado iniciou-se em 1841, aumentando a eficiência do material e consequentemente estimulando a demanda que cresceu vertiginosamente.

De acordo com Arthur Reis, o comércio interno da borracha começou no século XVIII com as relações entre indígenas, que já utilizavam o material, e os portugueses. Logo em seguida, os Estados Unidos da América passaram a importar a borracha (em 1800). Com a patente lucratividade do comércio da borracha logo surgiram concorrentes, dentre eles estava: Índia, regiões da América Central (foram os primeiros) e do continente africano. No entanto, a produção no amazonas ainda era significativamente superior às demais concorrentes. Mesmo com a grande atenção voltada para o comércio da borracha o produto ocupava somente o quarto lugar na região atrás do fumo, cacau e couros. Um fator que pode ter contribuído para tal situação foi a queda dos preços da borracha entre os anos de 1840 a 1850.

– As estratégias de superação dos gargalos.
Com a crescente demanda pela borracha no mundo, principalmente na segunda metade do século XIX, pode-se observar alguns problemas na produção da borracha na região amazônica.

O primeiro entrave observado é a questão logística do transporte na região. Na primeira metade do século XIX, a exploração da borracha não era o principal item na produção local, no entanto, alguns fatores fizeram com que a procura por borracha aumentasse e, consequentemente, a produção da mesma também crescesse, com isso, havia uma necessidade para melhorar o escoamento precário da região. Em resposta, e, também, pelas ameaças e pretensões imperialistas na região, o governo brasileiro, em 1852, concedeu à Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas o monopólio da navegação do Amazonas. A partir desse momento, em 1853, foi introduzido o barco a vapor no Amazonas, isso fez com que a velocidade do transporte da borracha aumentasse bastante. Posteriormente, com a queda do monopólio, outras companhias de navegação se instalaram na região.

Um outro problema encontrado nesse período foi a mão-de-obra utilizada. Na primeira metade do século XIX, a mão-de-obra do índio arregimentado era vital para complementar as forças de trabalho na região, visto que somente a população não conseguia suprir essa necessidade.

Deslocamento de trabalhadores das atividades agrícolas

A partir de 1840, é visto um inicial deslocamento de trabalhadores das atividades agrícolas e extrativas para a atividade gomífera, pois a cotação de borracha tinha se tornado maior ante aos outros artigos locais, tornando mais atrativo para os trabalhadores migrarem de setor.
Como houve uma diminuição na produção agrícola, o governo estadual, através de subsídios, atraiu o imigrante internacional e o nordestino para colonizar algumas regiões no Pará, entretanto, o plano fracassou e muitos deles foram trabalhar na produção de borracha.
Desta forma, a imigração nordestina foi que mais obteve sucesso no quantitativo de pessoas para suprir a necessidade de mão-de-obra para o setor agrícola, como também para a extração de borracha.

De acordo com Santos (1980), o capital introduzido na região era dividido em público e privado. O primeiro era oriundo dos governos locais e central. Já o segundo, subdividia-se em regional e extrarregional, sendo este último subdividido em estrangeiro e nacional. O nacional, tratavam-se dos capitais de risco e do crédito de exportações de cabotagem. E o estrangeiro, destinavam-se ao crédito as importações externas, capitais de risco e empréstimos privados a governos locais.

A procedência do capital é essencial para entender como foi ofertado o capital na região. As informações coletadas foram realizadas com base em hipóteses, pois a falta de dados não permite afirmar o que aconteceu de fato. Na época, a Amazônia era muito pobre financeiramente, sem condições nenhuma de ter uma evolução econômica. Devido essa realidade, não havia como ter a exploração e a comercialização do que era extraído na região, já que única forma de comércio era o local, além disso, existia o problema da escassez do dinheiro, como também a distância geográfica, que ocasionava um problema logístico por ser uma região isolada.

A borracha não tinha demanda no Brasil, os únicos interessados no produto eram os Estados Unidos e a Inglaterra, então a hipótese levantada é que o capital utilizado para financiar essa exploração e comercialização era estrangeiro. Deste modo, esse capital chega no Brasil através de um agente, no qual usa o capital confiado para financiar a extração, como também o envio da borracha.

Os trabalhadores e lideranças eram pagos com dinheiro, como também com bens, importados pelo agente. Após algum tempo essa forma de trabalho foi começando ser copiada por outros agentes que vinham a mando de fabricantes e importadores de seus países, financiados pelos mesmos ou por conta própria.

É preciso atentar-se que essa pessoa além de exportar a borracha, também era encarregado de importar a mercadoria de seu país. Conforme crescia a procura por borracha, era necessário ir em buscar de campos mais distantes, proporcionando um investimento cada vez mais arriscado.

Por fim, com o passar dos anos, as funções foram divididas. O agente externo ficou responsável apenas pela exportação, e o português ficou responsável pela importação de matérias, como também de praticar o aviamento para financiar a exploração local.

Sistema de pagamento

Por fim, explique o que foi o sistema de aviamento, como surge, como se organiza e de que forma reflete sobre a economia amazônica.

– O que é o sistema de aviamento?
O sistema de aviamento foi uma forma de prender o seringueiro através de uma dívida extremamente alta, e que nunca seria finalizada, com o seu patrão.

Neste sistema, o trabalhador jamais conseguiria quitar a sua dívida, tendo em vista que tudo era cobrado, ou seja, todo o dinheiro gasto com comida, ferramentas, vestimentas, entre outros artigos pessoais, eram registrados.
Como mencionado, esse valor era muito alto e não conseguia ser finalizada, pois os seringueiros não poderiam comprar suas coisas nas cidades, muito menos vendê-las. Era acordado que só poderia ocorrer troca comercial com o patrão, desta maneira, o preço de qualquer coisa era superfaturado. Sem concorrência de preços e noção de valores, as vítimas pagavam cinco, seis vezes a mais, ou até mais, pelo valor real do bem de consumo.

Para sair dessa situação, seria necessário realizar o pagamento da dívida. No final de cada safra, a quantidade de borracha produzida por cada seringueiro era debitada da sua obrigação. Porém, tornava-se impossível concluí-las, visto que nunca iriam conseguir acumular dinheiro suficiente para quitá-las, pois o valor de sua produção era sempre abaixo do valor do compromisso.

O sistema de aviamento foi estabelecido a partir do momento de contato da sociedade amazônica com um sistema altamente capitalista industrial europeu.

De acordo com Roberto Santos (1980), esse sistema compreende as seguintes características: “ base de recursos naturais espacialmente ampla e de difícil acesso; atraso das técnicas de produção; índice de participação do dinheiro nas trocas nulo ou muito baixo; presença de lideranças mercantis locais, ou estrangeiras, ou de agentes capazes de virem a exercê-las; ligação dessas lideranças com um mercado monetizado; e, demanda externa ativa sobre um ou mais produtos dessa área. ”

Associação entre líderes comerciais locais e o mercado externo

Ciente dessas particularidades, ocorria a associação entre os líderes mercantis locais com o mercado externo, esses que se beneficiavam duas vezes. Primeiro, pelos preços que cobravam de fora, e segundo, pela exploração que era realizada na mão-de-obra, como foi explicado anteriormente.

É preciso, também, destacar o uso do escambo. O escambo era o meio de permuta de serviço ou mercadoria sem o uso da moeda equivalente a esse valor. Desta forma, prevaleceu esse sistema de destaque no aviamento. Através dele, tornava-se possível ter maior controle e proveito da situação sobre os nacionais, sendo fundamental na economia amazônica no período da borracha.

As condições geográficas da região amazônica direcionaram o sistema de aviamento para um fluxo vertical, como se comparado à níveis de hierarquia em pirâmide, com uma forte relação da base para atendimento de demandas ao topo.

Na base do sistema de aviamento encontrava-se os extratores, a mão de obra direta para a extração de borracha. A partir da execução do trabalho deste operador, o processo de aviamento já ocorria, pois, para o extrator realizar suas atividades necessitava de insumos e ferramentas, assim sendo bem evidente um dos conceitos já descrito de endividamento que jamais seria quitado. O contato direto com o extrator realizava-se com o aviador, pessoa que forneceria os insumos e as ferramentas necessárias realizar as operações de extração, como também, às vezes, certa quantidade de dinheiro para receber em troca da produção extrativa.

No entanto, todo material recebido pelo extrator possuía um preço. Este preço seria definido pelo aviador, no qual eram aplicados juros normais mais juros para margem de ganho, que se denominavam “juros extras”. Este aviador também era “aviado” por outro de nível superior, realizando um sistema similar de trocas ao realizado com o extrator, de modo que o aviador de nível superior também cobrava “juros extras” para o aviador de nível mais baixo.

Da base, com os operadores, para o meio, com os aviadores, surgia ao topo desta pirâmide as firmas exportadoras. Sendo estas as que mais seriam beneficiadas pelo acúmulo de renda e pelas altas cobranças de juros. O sistema também poderia ser simplificado apenas ao próprio seringalista empresário, este sendo o aviador entrando em contato direto com as firmas exportadoras (sem aviadores superiores), e como contato direto com o seringueiro extrator.

A importância do sistema de pagamentos na Amazônia

O sistema de aviamento é um dos fatores responsáveis pelo excedente e pela acumulação de capital na Amazônia, porém este capital tão longe foi proporcional ou distributivo na região. Um dos pontos a destacar quanto a isso é a corrente de escravidão no processo de trabalho. O seringueiro era obrigado a trabalhar intensamente sobre pena de fortes juros, desta maneira, seu esforço era compensado apenas para mantê-lo ainda mais preso a este sistema, que favorecia e aumentava a maior parte da renda aos que se concentravam no topo desse sistema.
A própria formação de excedente de capital baseava-se na distribuição de todo este sistema. O sistema de exploração da borracha não exigia de tecnologia robusta, e sim de mão de obra direta no campo para extração. Em outras palavras, para aumentar ainda mais a movimentação de capital, seria necessário um número cada vez maior de seringueiros para explorar.

Toda essa força de trabalho movimentava a sustentação do extrativismo, da navegação e do comércio. A expansão significaria movimentar cada vez mais os outros setores que auxiliavam o processo produtivo da borracha, desde a alimentação dos próprios seringueiros. Ao exemplo de que os insumos básicos para consumo (alimentícios), importados de outras regiões do país, tornavam-se produtos com preços totalmente inflados, com enormes taxas de juros, até chegar no ponto fundamental, os seringueiros.

Ciente do que foi exposto, o preço da borracha adquirida do extrator e vendida ao aviador, sobre os diversos encargos, atuava junto aos juros extras, como uma fonte satisfatória para realização do capital de giro, em tese evolução deste ciclo econômico. A pirâmide, que representa o fluxo vertical de todo o sistema de aviamento, ratifica ao topo, como as firmas exportadoras que exploravam completamente este fluxo de valores.

O resultado de tudo isso é um sistema econômico baseado em exploração. Até nos níveis mais baixos, é pensado no preço e nos juros que devem ser obtidos para uma maximização de lucro dentro deste mercado. A economia amazônica, com o ciclo da borracha, ditava um mercado com a excessiva presença de juros, que buscava prender a mão de obra pelo máximo de tempo para obtenção da lucratividade, como também movimentação de outros setores primários, como comércio, logística e rendas públicas.

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