Um problema de linguagem

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Como observamos ao longo desse trabalho, a elaboração de um dicionário é uma árdua e complexa tarefa, que mobiliza diferentes áreas cujo interesse principal é o léxico. Quando se pensa, então, em elaborar um dicionário bilíngue de uma língua de tradição oral, ainda em descrição e em perigo de extinção, como é o caso do Apurinã e da maioria das línguas indígenas brasileiras, mais complexa é a questão, uma vez que se tem a tarefa de, por meio da dicionarização, descrever os padrões linguísticos e culturais que constituem uma determinada língua e documentá-la.

A importância de dicionários de línguas indígenas

A produção de dicionários para línguas indígenas é de fundamental importância científica e social, uma vez que as línguas guardam a visão de mundo e os saberes tradicionais dos povos falantes. Estas línguas, embora apresentem hoje um maior interesse por seu estudo, têm poucas descrições aprofundadas, com poucas gramáticas e dicionários de referência (em comparação com línguas que contam com estudos e documentação de séculos); fato preocupante, tendo em vista as suas crescentes perdas linguísticas (FARGETTI, 2012, p. 67).

O perigo de extinção de línguas

É importante salientar que o grau de perigo de extinção de línguas indígenas foi subestimado por anos no Brasil devido à confusão entre número de falantes vs. população do grupo, somando a isso as variedades de uma língua que eram consideradas como uma língua distinta. Dados sobre a transmissão das línguas são ainda mais difíceis de conseguir, mas é o principal determinante do futuro de uma língua. De acordo com Moore e Galucio (2016), 21% das 150 línguas faladas ainda no Brasil apresentam um alto grau de perigo de extinção em um futuro próximo por causa do baixo número de falantes e a falta de transmissão.
Diante desse quadro, o trabalho lexicográfico ocupa um lugar extremamente importante na sociedade de tradição oral, uma vez que registra e veicula, de maneira sistemática, a realidade linguística e sociocultural de uma comunidade, tornando-se, em muitos casos, o material didático de referência para a comunidade. O dicionário, portanto, é um forte aliado na descrição, documentação e na revitalização de línguas indígenas ameaçadas de extinção. Evidentemente, a produção de dicionários não “salvaria” as línguas por si só, mas representaria um mecanismo válido e sólido que pode, por exemplo, “empoderar” falantes calados diante da desvalorização das línguas e culturas minoritárias indígenas em favor da língua e cultura majoritária.

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