Jusnaturalismo, Positivismo e Realismo

Questão 01. Jusnaturalismo é a teoria do direito natural configurada nos séculos XVII e XVIII a partir de Hugo Grócio (1583 – 1645), também representada por Hobbes (1588 – 1679) e por Pufendorf (1632 – 1694). Essa doutrina, cujos defensores formam um grande contingente de autores dedicados às ciências políticas, serviu de fundamento à reivindicação das duas conquistas fundamentais do mundo moderno no campo político: o princípio da tolerância religiosa e o da limitação dos poderes do Estado. Desses princípios nasceu de fato o Estado liberal moderno. O Jusnaturalismo distingue-se da teoria tradicional do direito natural por não considerar que o direito natural represente a participação humana numa ordem universal perfeita, que seria Deus ou viria de Deus (como julgaram os escritores medievais), mas que ele é a regulamentação necessária das relações humanas, a que se chega através da razão, sendo, pois, independente da vontade de Deus. “Assim, o Jusnaturalismo representa, no campo moral e político, reivindicação da autonomia da razão que o cartesianismo afirmava no campo filosófico e científico.” (Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia).

Questão 02. No jusnaturalismo o direito não é um artifício, uma criação livre do homem, mas é algo que está no mundo. Para essa corrente, é fundamental a noção de justiça. A justiça é o valor ou finalidade que inspiraria o direito. Ela não se resumiria ao direito escrito ou estatal, mas estaria acima dele, seria algo natural, racional ou mesmo intuitivo: os homens podem em cada situação discernir o justo e o injusto. Desses aspectos decorre que o direito positivo pode entrar em contradição com o direito natural, e é este último que deve prevalecer; de acordo com o brocardo que bem define essa corrente jusfilosófica, atribuído a Santo Tomás de Aquino, lex iniusta non est lex, isto é, a lei injusta não é lei e esses ideais de justiça podem ser observado com relevância nos artigos, 1º, 2º e 6º da declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, seguem os mesmos:

• Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
• Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.
• Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Questão 03. Jusnaturalismo é uma corrente, ou seja, uma doutrina que defende e preza o direito natural, defendendo pelo menos três versões. Na primeira, a de uma lei estabelecida por vontade da divindade e por esta revelada aos homens em segundo, a de uma lei “natural” em sentido estrito, fisicamente co-natural a todos os seres animados a modo de instinto e por ultimo, a de uma lei ditada pela razão, especifica, portanto do homem que a encontra autonomamente dentro de si.

1. Jusnaturalismo Medieval: Se desenvolve na Idade Média, sendo extremamente pautado em fundamentos religiosos, caracterizando-se por pregar um Direito universal, geral e, sobretudo, que tenha como escopo fundamental a busca por uma justiça dentro dos liames do cristianismo, ou melhor, da Igreja Católica. No jusnaturalismo medieval, a “ordem natural” deixa de ser o modo próprio das coisas para ser a vontade divina (CARVALHO, 2010, p. 73).
Dentre as obras de Direito Natural desta época, destacam-se as do filósofo católico Santo Tomás de Aquino que definia a lex naturalis, como: “Partecipatio legis aeternae in retionali creatura” ou seja, aquilo a que o homem é levado a fazer pela sua natureza racional, entretanto essa natureza racional estaria vinculada ao seu criador (Deus), que, por sua vez, tinha a Igreja enquanto sua “legítima” representante (BOBBIO, 2006, pág. 20).

2. Jusnaturalismo Moderno: O Jusnaturalismo Moderno consiste na doutrina de Direito Natural fundada, sobretudo, nas ideias dos filósofos racionalistas da Modernidade, que acreditavam ser possível encontrar, através da razão humana, um Direito justo que fosse comum a todos os homens (universal). Neste sentido, conforme afirma Hugo Grócio citado por Norberto Bobbio, Jusnaturalismo Moderno ou Racional é aquele que busca através de uma justa razão atingir os ideais de moral e justiça, respeitando a natureza racional do homem (BOBBIO, 2006).
No mesmo sentido, Luís Roberto Barroso afirma que o Jusnaturalismo Moderno é aquele que se desenvolve através das ideias dos filósofos racionalistas do século XVI e que se pauta em uma “lei ditada pela razão”, dando-se ênfase à natureza e à razão humana, o que “é um dos marcos da Idade Moderna e base de uma nova cultura laica, consolidada a partir do século XVII” (BARROSO, 2009a, p. 236).

3. Jusnaturalismo Clássico: O Jusnaturalismo Clássico é marcado pelo pensamento grego pré-socrático e tem fundamento na existência de uma lei natural. A “ordem natural” é inerente à essência das coisas, permanente e imutável. Deste modo, da mesma forma que há uma ordem intrínseca na natureza para os movimentos dos corpos, para a transformação da matéria, existe uma ordem jurídica para o convívio em sociedade: o direito (CARVALHO, 2010, p. 73). Bobbio ensina que o Jusnaturalismo Clássico é aquele que se desenvolve através das ideias dos filósofos gregos, sobretudo de Platão e Aristóteles, que trabalhavam com a ideia de uma justiça universal baseada em uma razão natural – naturalis ratio, ele afirma que para Aristóteles, “o direito natural é aquele que tem em toda parte (pantachoû) a mesma eficácia” e que prescreve ações “cuja bondade é objetiva”, ou seja, trata-se de um direito justo e sustentado por pilares, não só jurídicos, mas também éticos (BOBBIO, 2006, pág.17).

Questão 04.

1. Hugo Grócio (1583-1645)

Foi o precursor do Jusnaturalismo Moderno, o primeiro intelectual a realizar a cisão entre o direito natural e a religião, isto é, os princípios norteadores (as leis naturais) que são a base das leis positivas e, consequentemente, definem o comportamento humano na sociedade, não advém da vontade divina, mas agora emana estritamente da razão. Grócio construiu uma teoria em que a fonte do direito era a moral neo-estóica e a razão natural que Deus inscreveu no coração do homem, válida por sua própria natureza, independentemente de costumes, opiniões particulares ou fronteiras, considerando os homens como dotados de um parentesco natural. Essa lei determina que cada um possa preservar a si mesmo, apossar-se e acrescentar ao seu patrimônio os bens que julgar úteis à sua existência, cumprir as promessas feitas e não prejudicar a outrem (decorrendo daí uma extensão aos tratados internacionais, principalmente). A grande audiência que teve a doutrina do direito de Grócio justifica-se, pois é baseada no conceito de kosmopolis (A dissolução dos antigos quadros políticos e sociais decorrente da conquista da Grécia pelos Macedônicos, as misturas populacionais e o nascimento de novas sociedades farão nascer solidariedades e comunidades – portanto, uma era cosmopolítica, onde importa menos a participação do cidadão, visto que o império controla as decisões (extinguindo-se as reuniões da ágora), e mais a liberdade individual interior. CHAUÍ, Marilena de Souza. Introdução à história da filosofia, vol. II. p. 20) e favorecida por uma época de Estados pertencentes a confissões cristãs diferentes, um direito natural baseado na moral estoica, laica (ou dessacralizado) e tendente a formar uma comunidade humana. A fonte última do direito, portanto, será a moral – pois o justo está no homem (ao contrário de Aristóteles em que o justo se encontra também nas coisas) e na sua razão, que lhe é essência. O Direito Natural é o ditado da reta razão presente no homem: Jus est regula actuum moralium obligans ad id quod rectum est – Os primeiros princípios do direito são as regras morais inscritas na consciência do homem. Tal doutrina abre caminho no campo da Moral, do Direito e da Política, ao iluminar a cultura laica e antiegológica. Com a transição de governos autoritários fundados no indivíduo, surgem governos democráticos que buscam, senão a unidade, ao menos a maioria. Por conta disto, sentia-se uma forte necessidade de reformas legislativas que dessem ao direito, principalmente, uma certeza. O jusnaturalismo, com sua teoria de um direito absoluto e universalmente válido, porque ditado pela razão, era capaz de oferecer as bases doutrinárias para uma reforma racional da legislação.

1. Samuel Pufendorf (1632-1694)

Define o fundamento da teoria jusnaturalista ao defender a tese segundo a qual, independente das leis civis e anterior à sua convenção humana, existem ordem moral e regra de justiça universais (as leis de natureza), que indicam ao homem os seus deveres e o proíbem de fazer o mal. O homem tem a capacidade e o dever de criar as condições propícias para um bom relacionamento com os outros indivíduos da mesma espécie. As leis que comandam as ações mútuas dos homens estão arraigadas na sua natureza racional e são imutáveis e eternas: quem não as respeita ofende a sua própria dignidade de homem. Desse modo, o modo de ser do homem é viver em sociedade pacificamente: “Com estas premissas parece que a lei natural fundamental é a seguinte: cada homem deve cultivar e manter na medida do possível a sociabilidade” (Pufendorf, 1998a, II, III, §15).

http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html

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