Direito Contratual Contemporâneo

Preliminarmente, cabe destacar que a cláusula de hardship trata da possibilidade de readequação do contrato internacional inicialmente entabulado entre as partes, ou seja, havendo um evento imprevisível e inevitável que torne o contrato evidentemente oneroso ou de difícil execução para uma das partes, poderá incidir a referida cláusula, possibilitando a renegociação do negócio jurídico. Em outras palavras, a cláusula de hardship visa evitar a resolução do contrato, pois com a readequação dos termos contratuais a relação contratual poderá ser preservada, possibilitando o devido cumprimento do pactuado (SPOLAOR, 2014).
Nesse ponto, possível referir o princípio da conservação do negócio jurídico, que é encontrado no direito brasileiro, instituto que pode ser aplicado no Direito Internacional, a fim de garantir a função social dos contratos (artigo 421 do Código Civil). Ainda, destaca-se que, no Brasil, a resolução do contrato deve ocorrer somente quando impossível reajustar os termos contratuais, como é expressamente previsto no artigo 479 do Código Civil (SIMÃO, 2020).
Dessa forma, no contexto internacional, a cláusula de hardship tem por objetivo conservar o negócio jurídico e possibilitar a renegociação dos termos, diante de evento ocorrido após a celebração do contrato internacional, sendo que este acontecimento superveniente acaba gerando prejuízo econômico imprevisível e inevitável a uma das partes, tornando o cumprimento do contrato oneroso em demasia ou de difícil execução. Em que pese seja faculdade das partes prever a cláusula de hardship e descrever o momento de sua incidência, alguns doutrinadores defendem que não teria como constar no contrato os eventos que este instituto incidiria, pois seriam fatos previstos/esperados, o que desconfiguraria a aplicação da cláusula de hardship, razão pela qual ocorrendo evento imprevisível que gere evidente desiquilíbrio no contrato internacional deve ser invocada a hardship, pois todo contrato deve existir e ser cumprido, sendo a manutenção do negócio jurídico o objetivo principal de qualquer transação (SPOLAOR, 2014).
De acordo com os princípios do UNIDROIT (princípios responsáveis por estabelecerem regras gerais para contratos comerciais internacionais), artigo 6.2.1, verifica-se que “(…) Há hardship quando sobrevêm fatos que alteram fundamentalmente o equilíbrio do contrato, seja porque o custo do adimplemento da obrigação de uma parte tenha aumentado, seja porque o valor da contra-prestação haja diminuído (…)”. Ainda, para que realmente reste configurada a hardship é preciso que “(…) (a) os fatos ocorrem ou se tornam conhecidos da parte em desvantagem após a formação do contrato; (b) os fatos não poderiam ter sido razoavelmente levados em conta pela parte em desvantagem no momento da formação do contrato; (c) os fatos estão fora da esfera de controle da parte em desvantagem; e (d) o risco pela superveniência dos fatos não foi assumido pela parte em desvantagem (…)” (UNIDROIT, 2010).
No que tange aos efeitos (artigo 6.2.3. do UNIDROIT), se o evento for passível de caracterização da hardship, a parte em desvantagem poderá pleitear a renegociação dos termos contratuais, devendo fundamentar os motivos da readequação. Ademais, o simples fato de ser possível aplicar a hardship não autoriza a suspensão da execução do contrato, devendo as partes entabularem nova negociação em tempo razoável. Não havendo acordo, as partes devem ingressar com demanda judicial, se o respectivo ordenamento jurídico reconhecer a hardship, o Juízo poderá extinguir o feito ou adaptar o contrato, reestabelecendo o equilíbrio contratual (UNIDROIT, 2010).
Portanto, havendo fato superveniente que modifique radicalmente as condições iniciais do contrato, gerando excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, a pedido da parte em desvantagem, o negócio jurídico poderá ser modificado, a fim de restaurar o equilíbrio contratual. Assim, a cláusula de hardship acaba proporcionando maior segurança jurídica e econômica aos contratantes, pois permite que as partes conversem e ajustem os termos pactuados, sempre que houver evidente necessidade econômica, haja vista que a regra é a preservação do contrato em condições de equilíbrio, de maneira semelhante como inicialmente celebrado (antes do evento futuro e inesperado), possibilitando que a parte em desvantagem tenha condições de cumprir o acordo (SPOLAOR, 2014).
Além de ser uma ferramenta de suma importância para o direito internacional, a cláusula de hardship também pode ser aplicada no direito brasileiro, já que não há vedação constitucional e algumas legislações permitem a renegociação do contrato, por exemplo, Código Civil (n.º 10.406/02), Lei do Inquilinato (n.º 8.245/91), o Código de Defesa do Consumidor (n.º 8.078/90) e a Lei de Licitações (n.º 8.666/93) (BERTONCINI E TISSOT, 2020).
Diante do exposto, verifica-se que a cláusula de hardship é de suma importância para os contratos internacionais, haja vista que em tempos de crise, como a que vivemos atualmente (Coronavírus – COVID-19), as relações contratuais são prejudicadas, já que em inúmeros países as atividades empresariais foram paralisadas e as fronteiras estão fechadas por determinado período, a fim de diminuir o fluxo de pessoas nas ruas, gerando despesas e aumentando o desemprego. Ainda, muitas empresas realizaram contratos internacionais antes da pandemia, sendo que com a propagação do vírus o cumprimento do contrato acabou se tornando oneroso ou impossível, devendo os termos serem renegociados (exemplo: agência de viagens brasileira que de forma anual contrato hotéis estrangeiros para incluir nos pacotes de turismo – neste momento o cumprimento do contrato será oneroso e até mesmo impossível, na medida em que muitas viagens foram canceladas e os rendimentos da empresa brasileira restou prejudicado, bem como muitas fronteiras estão fechadas para o turismo) (SPOLAOR, 2014).

https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/direito-contratual-contemporaneo

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