Pesquisa em abrigos infantis

O objetivo geral da pesquisa foi construído e reconstruído diversas vezes, bem como os objetivos específicos, a fim de obter um melhor resultado acerca do que foi proposto. Esse processo não foi linear, sucedeu-se de maneira bastante reflexiva, de modo que foram feitas várias análises e reanálises, a partir dos assessoramentos, das contribuições da banca de qualificação, das pesquisas bibliográficas e do trabalho de campo.

Após a banca de qualificação, a qual ocorreu no dia 02 de maio de 2019, a pesquisa tomou um novo direcionamento que levou a formulação deste volume. No mês de junho foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco. O processo de coleta, envio e aprovação da documentação pela “Plataforma Brasil” durou em torno de cinco meses, após a aprovação a pesquisadora foi autorizada a ir a campo para coleta de dados e conclusão da pesquisa.

Em meados de março e durante os mês de abril ocorreria a pesquisa de campo na segunda instituição analisada, a “Aldeias Infantis SOS Brasil”, a qual precisou ser adiada até meados do mês de agosto devido ao contingenciamento domiciliar para combate ao COVID-19, o qual inviabilizou o acesso da pesquisadora ao local de estudo durante todos esses meses. Porém, mesmo após a autorização da visita da pesquisadora ao local foram feitas algumas restrições, sendo a maior delas a inadmissão do contato da pesquisadora com as crianças e adolescentes acolhidas. Devido a isto se fez necessário adaptar parte da aplicação da metodologia de campo a fim de se concluir a pesquisa em tempo hábil.

Para a realização deste trabalho foram analisadas duas Casas Lares, as quais serão apresentadas de maneira mais detalhada ao longo do trabalho. A primeira é a “Casa Lar SEMAS” e a segunda “Aldeias Infantis SOS Brasil”, esta é constituída de 14 unidades voltadas para o serviço de acolhimento, sendo duas delas do tipo Casa Lar.

A amostra abrangeu as crianças e adolescentes residentes nas Casas Lares em estudo, durante a realização da pesquisa. Dessa maneira, o tamanho da amostragem foi de 17 crianças e adolescentes, pois a Casa Lar SEMAS estava com oito acolhidos no momento da realização da pesquisa e a Aldeias Infantis SOS Brasil com onze, porém apenas nove participaram da dinâmica proposta pela pesquisadora.

Procedimentos Metodológicos

Gerhardt e Silveira (2009) propõem uma classificação do tipo de pesquisa quanto à natureza, aos objetivos e aos procedimentos. Diante desses aspectos a presente pesquisa possui etapas quantitativas e etapas qualitativas.
Para alcançar os objetivos da pesquisa serão utilizadas as seguintes técnicas de pesquisa:

Identificação das unidades a serem analisadas

A escolha por analisar a Casa Lar SEMAS, se deu devido ao fato da autora residir na cidade onde a mesma está localizada, sendo ela a única instituição desse segmento na capital de Alagoas. Já a definição por analisar a Aldeias Infantins SOS Brasil ocorreu em virtude da sua localização, próxima a cidade de Recife- PE, além de ser uma Casa Lar “modelo”, pois rege diversas Casas Lares no Brasil e no mundo. Com isso a pesquisa pretende analisar ambas e comparar os aspectos que as diferenciam. Sobretudo devido ao fato de a primeira ser adaptada, ou seja, o local onde se encontra não foi construído com a finalidade de ser uma Casa Lar, e a segunda seguir às diretrizes do Manual de Orientações Técnicas.

Avaliação dos aspectos físicos das instituições

a) Levantamento de dados:
Nessa etapa foram levantadas normas, manuais, diretrizes e seus aspectos relacionados ao espaço físico das instituições do tipo Casa Lar. Também se realizaram visitas aos locais de estudo para levantamento fotográfico, levantamento arquitetônico e coleta de dados.

b) Observação nas Casas Lares em estudo:
A observação é um processo enriquecedor e necessário à pesquisa, pois permite ao pesquisador descobrir como algo efetivamente funciona. A principal característica dessa observação foi a inserção da pesquisadora no campo, obtendo acesso a ele e as pessoas que nele estavam inseridas, no caso da Casa Lar SEMAS.
A escolha pela observação como técnica de pesquisa se justifica porque essa técnica permite:
I. Observação descritiva- essa etapa serve para fornecer ao pesquisador uma orientação para o campo de estudo;
II. Observação focalizada- delimita a perspectiva do pesquisador aos processos e problemas que são mais essenciais as questões da pesquisa.

d) Produção de planta baixa e organofluxograma:
Essa etapa foi realizada com base no levantamento arquitetônico e coleta de dados, a fim de analisar o cumprimento das normas no que diz respeito a setorização das instituições, para fazer uma análise e situar o leitor sobre a organização do espaço.

e) Avaliar as instituições segundo aspectos baseados na obra dos autores Rybczynski (1986) e Fischer (1990):
A primeira traz diversas concepções acerca da casa, porém nessa etapa serão avaliados os aspectos que dizem respeito aos atributos espaciais da instituição, são eles: luz e ar; conforto e bem estar.
Baseado na produção do segundo autor tem-se o amontoamento. O amontoamento físico diz respeito a um estado psicológico criado pelo fato de existir um número de pessoas bastante elevado em certo espaço, com relação ao conforto esperado nesse lugar, o que provoca uma sensação negativa. Esse sentimento de desconforto é produzido por uma situação de alta densidade.

f) Análise dos parâmetros físicos do Manual de Orientações Técnicas para o Serviço de Acolhimento:
Nesse estágio da pesquisa foram realizados comparativos entre os aspectos físicos exigidos pelo Manual e os aspectos físicos existentes nas instituições em estudo, avaliando o seu devido cumprimento.

g) Avaliação segundo os parâmetros utilizados pela pesquisa do IPEA (2004), a qual foi abordada anteriormente (capítulo 02, item 2.2):
A pesquisa considera dois atributos para análise da adequação das edificações existentes no país:
I. As características de acesso à infraestrutura;
II. As características físicas do abrigo.

Avaliação dos aspectos subjetivos das instituições

a) Definição dos fatores psicoambientais que favorecem o desenvolvimento da ideia de lar no edifício arquitetônico:
Nesse sentido foram definidos elementos, tomados da obra de Fischer (1990) e da escrita de Rybczynski (1986).
Segundo Fischer existe fatores do espaço que influenciam no comportamento dos usuários, são eles: o amontoamento; o ruído; o impacto do espaço organizado.

Além do amontoamento físico existe o amontoamento pessoal, que gera insegurança, pois impossibilita a pessoa de agir no espaço no qual se encontra, sentindo uma espécie de intromissão no seu espaço pessoal.Já o ruído pode ser definido como uma sensação auditiva desagradável é uma característica nociva do ambiente urbano. As zonas urbanas são atingidas principalmente pelos ruídos de circulação, porém o ruído vem se fazendo cada vez mais presente no interior das edificações (companhia, eletrodomésticos, rádio etc). Ou seja, o ruído tornou-se um aspecto básico na relação das pessoas com o espaço.
Por último vem o impacto do espaço organizado, que diz respeito ao modo de como o ordenamento do espaço pode exercer influência sobre o comportamento.

Além desses três aspectos citados acima serão aplicados na análise mais três atributos baseados no que diz Rybczynski (1986), são eles: intimidade e privacidade; domesticidade; conforto e bem estar.

b) Produção de desenhos pelas crianças e adolescentes acolhidos:

As crianças possuem múltiplas linguagens, que vão além da verbal, algumas dessas linguagens são por vezes muito mais satisfatórias a comunicação do que outras formas, como o uso da “palavra”. O desenho infantil insere-se entre as mais importantes formas de expressão simbólica das crianças, ele antecede a própria comunicação oral, pois antes mesmo de falar as crianças rabiscam. O desenho infantil não representa apenas uma realidade exterior à criança e ao adolescente, mas mostra à maneira que eles “apreendem o mundo”, o desenho infantil tem a função de comunicar. “O desenho, afinal, é a expressão de uma das coisas que as crianças fazem mais sério: brincar” .

A produção do desenho facilita a expressão da criança utilizando uma atividade que faz parte do cotidiano e que privilegia a expressão de ideias, vontades e emoções .Nesta etapa foi disponibilizado um período para que as crianças produzissem desenhos referentes à “sua casa”. De modo que a pesquisadora deu a seguinte diretriz: “Desenhe a sua casa”. Para realização dessa etapa foram disponibilizados papéis em branco, lápis de cor, lápis hidrocor colorido, lápis de cera, lápis de madeira, borracha e régua.

c) Descrição dos desenhos produzidos pelos seus autores:

Em um momento subsequente a produção dos desenhos houve um espaço destinado à interpretação do material produzido pelas crianças e adolescentes. Esse momento foi realizado em grupo, pois se pressupôs que dessa forma as crianças e adolescentes ficariam menos inibidas e a conversa ocorreu de maneira fluida e natural.
Inicialmente foi solicitado a cada um: “Fale sobre o seu desenho para os seus colegas”, e a partir daí surgiram novas diretrizes, porém sempre com cuidado, por parte da pesquisadora, em produzir comentários que não induzissem a respostas pré-determinadas. A realização desta etapa pela autora só foi possível na Casa Lar SEMAS, na Aldeias Infantis SOS Brasil foram necessárias algumas adaptações.

d) Análise dos desenhos centrada na criança e na sua produção:

Com base nisso os desenhos precisam ser analisado em um triplo enquadramento, de modo a articular várias dimensões de análise: a primeira, como um ato realizado por um sujeito concreto, onde existe saber, vontade, capacidade físico motora, destreza técnica, emoções e afetos que o singularizam; a segunda, de acordo com o quadro cultural que ajuda a desenvolver ou inibir a expressão gráfica da criança, que se dá a partir das representações sociais sobre a infância; e terceiro, como uma expressão geracional específica, que os distinguem dos adultos, que necessitam ser lidas de acordo com a gramática interpretativa da cultura da infância. Ou seja, a interpretação dos desenhos deve articular dimensões subjetivas, socioculturais e geracionais no escopo (SARMENTO, 2011).
Ademais se produziu anotações durante a pesquisa de campo, as quais foram utilizadas no decorrer da mesma, seja como material complementar, seja como recurso importante para análise e enriquecimento das informações dos instrumentos descritos anteriormente.
Sarmento (2011) enfatiza a importância de pesquisa feita com crianças, pois muitas vezes elas têm sido “silenciadas” pela afirmação da sua diferença para os adultos e na forma autônoma de expressão e compreensão de mundo. É indispensável estudar as crianças como atores socais com plenos direitos e “ouvir a voz das crianças” a fim de compreender as dinâmicas e os fatos contados por elas.

 

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